Iemanjá
Uma Divindade de personalidade complexa. Expressa e exige em seu trato responsabilidade e uma certa seriedade, sobriedade, especialmente no que se refere ao trato coletivo. Portanto, é uma Iabá que invocamos para nos ensinar os caminhos da responsabilidade emocional para com os próximos e com a coletividade.
Ao mesmo tempo, expressa a graça e a leveza da Iabá que sabe que é o Todo e que tudo pode; ela é a origem de toda a vida, e vida é a capacidade infinita de criar qualquer coisa. Daí vêm os atributos de liberdade e infinitude de Iemanjá, que lhe conferem graça, leveza e encanto.
É conhecida como “A Senhora das Cabeças” e ligada ao Ori (Divindade pessoal de cada pessoa, seu “Eu Divinizado”, sua “partícula divina” ou “Eu Superior”, que se manifesta através do Chakra da Coroa no topo da cabeça), e não é sem razão: simboliza exatamente o poder que as mães exercem na formação da psiquê da criança, da sua estrutura mental e emocional.
Além disso, é a primeira chave de (re)conexão da criança com a Fonte Criadora, através da expressão da “religião materna” (ou meio de reconexão espiritual materno), que possui forte influência sobre a criança e a forma como esta lidará e desenvolverá sua visão e experimentação pessoal de sua própria espiritualidade.
Iemanjá precisa ser compreendida como o elemento que a representa: as Águas Oceânicas. Eternas e existentes desde os primeiros momentos do mundo, aparentam imutabilidade, mas essas águas são fortes agentes de transformação da matéria.
Águas que moldam, esculpem, afundam e fazem emergir continentes, ilhas, porções de terra, por vezes em uma ação prolongada, ao longo de eras, por vezes em uma ação rápida de um dia e uma noite, como foi no caso de um dos afundamentos de Atlântida. É, portanto, imprevisível a forma como suas Águas serão ativadas.
Em qualquer caso, brando ou violento, essas transformações induzidas por Iemanjá e suas Águas Oceânicas garantem a origem, existência e continuidade da vida, ao mesmo tempo que em que esculpem marcas e registros de todos os acontecimentos e transformações pelos quais passamos.
Podemos assim dizer que Iemanjá é a Mãe que guarda todos os registros emocionais de criação, transformação e evolução dos nossos Avatares (resumidamente, “eus” de vidas anteriores) no nosso campo inconsciente.
Daí dizermos que são características de Iemanjá um forte saber ancestral ligado à familia e ao coletivo, e ao papel e expressão desse indivíduo dentro de um grupo; a história de cada ser e de cada grupo, pois Iemanjá contém e é a origem de tudo.
Iemanjá é gota de água do mar, ao mesmo tempo em que é o total da massa oceânica.
Iemanjá é a Mãe que ama cada filho como se fosse o único, mas o habilita a viver no meio de seus irmãos e entender que cada um deles é, também, único e essencial.
É uma faceta da Mãe que não faz distinções, mas conhece e acolhe incondicionalmente as limitações e virtudes de cada filho, sem deixar de lhe dar amparo e estabilidade enquanto o conduz às transformações que pautarão seu processo evolutivo.
É uma das Mães conhecidas por protegerem e incentivarem a formação das “famílias”. Por famílias, entendemos não apenas os agrupamentos biológicos mas também às famílias eletivas, atrativas, espirituais, aquelas formadas em razão do “magnetismo da alma”.
Iemanjá é uma Iabá que compreende a importância da diversidade para a construção do indivíduo e a relevância do indivíduo para a sustentação do todo. É nesse sentido que ela é invocada para manter as famílias unidas, protegidas e harmonizadas, assim como mantém as gotas das águas marítimas unidas, formando uma fusão maior que a soma de suas partes.
Seu poder geracional é, portanto, infinito.
Como Senhora das Emoções Inconscientes, ela possui o poder de dar significância e propósito a cada uma de nossas experiências, sejam elas dolorosas ou prazerosas. Por esta razão, dois de seus símbolos mais conhecidos são as conchas e as pérolas.
Como se sabe, pérolas são jóias formadas a partir de resíduos estranhos (geralmente grãos de areia) que são depositados sobre a mucosa de determinadas ostras, gerando algo próximo ao que os humanos compreendem como “sofrimento”. Como forma de proteção à dor, o organismo da ostra isola a partícula incômoda com elementos cálcarios que terminam por formar as pérolas.
É por esta razão que invocamos a Mãe das Águas Salgadas quando precisamos transformar cada incômodo em uma pérola, cada experiência dolorosa em um adorno para a alma.
É acolhedora e amorosa, como as águas e espumas do mar aquecidas pelo toque suave do Sol. Mas pode ser terrível, revoltosa, violenta e destrutiva, assim como nosso inconsciente e emoções turbulentas, reprimidas e desprezadas, conhecidas como as Sombras pessoais.
Por esta razão, esta Iabá é um dos Orixás que mais requerem cuidado e atenção ao serem ativados; suas Águas não devem, em hipótese alguma, ser subestimadas.
A mesma Mãe que dá a vida, pode retirá-la. Os Mares são também conhecidos no meio afro-brasileiro como Kalunga Grande, ou o maior de todos os cemitérios. Isto evidencia a conexão desta Iabá com os Orixás Omolú / Abaluaê. Mas seu campo de ação, dentro da vida e da transformação, é diferente do campo desses Orixás.
Iemanjá recolhe seus filhos cansados da batalha, das dores e das doenças, para consolá-los; leva para os registros da Alma, para o seu Eu Matriz, todo o conteúdo absorvido e apreendido. Trata e cuida das feridas emocionais, cura o inconsciente, ao mesmo tempo que prepara seus filhos para novas vidas, novas jornadas emocionais mais pautadas no amor e menos na dor.
Das Mães africanas, é a que mais ancora o arquétipo da Grande Mãe. Ama muito, incentiva seus filhos e, em hipótese alguma e sem exceções, não passa a mão na cabeça dos erros de ninguém apenas por ser a Mãe.
Mãe que é Mãe ama e amar de verdade é bem diferente de ser subserviente e permissiva. Vide o comportamento das águas do Mar.
Respeito, humildade e abertura sincera de coração é tudo que devemos ter no espírito e no coração quando lidamos com as Águas do Mar Sagrado se quisermos enxergar através de seus espelhos aquáticos Verdades e não hologramas. Odoyá!
Texto original de Leo Estelrich para Aldeia Estrela Azul do Oriente
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